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POESIAS de Machado de Assis

POESIAS de Machado de Assis

Última Folha Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
          A última harmonia.

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chão as alvas rosas
          E as alvas margaridas.

Vês? Não é noite, não, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
          O sol resplandecente.

Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silêncio da planície,
          Como um frio sudário.

Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
          Dos teus primeiros dias.

Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
          Irás, musa celeste!

Então, nas horas solenes
Em que o místico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;

Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,
Bafeja a brisa suave
Cedros que o vento abalou;

E o rio, a árvore e o campo,
A areia, a face do mar,
Parecem, como um concerto,
Palpitar, sorrir, orar;

Então sim, alma de poeta,
Nos teus sonhos cantarás
A glória da natureza,
A ventura, o amor e a paz!

Ah! mas então será mais alto ainda;
          Lá onde a alma do vate
          Possa escutar os anjos,

E onde não chegue o vão rumor dos homens;

Lá onde, abrindo as asas ambiciosas,
Possa adejar no espaço luminoso,
Viver de luz mais viva e de ar mais puro,
          Fartar-se do infinito!

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
          A última harmonia!

Machado de Assis, in 'Crisálidas'
 
 
 
Os Dois Horizontes Dois horizontes fecham nossa vida:

          Um horizonte, — a saudade
          Do que não há de voltar;
          Outro horizonte, — a esperança
          Dos tempos que hão de chegar;
          No presente, — sempre escuro,—
          Vive a alma ambiciosa
          Na ilusão voluptuosa
          Do passado e do futuro.

          Os doces brincos da infância
          Sob as asas maternais,
          O vôo das andorinhas,
          A onda viva e os rosais;
          O gozo do amor, sonhado
          Num olhar profundo e ardente,
          Tal é na hora presente
          O horizonte do passado.

          Ou ambição de grandeza
          Que no espírito calou,
          Desejo de amor sincero
          Que o coração não gozou;
          Ou um viver calmo e puro
          À alma convalescente,
          Tal é na hora presente
          O horizonte do futuro.

          No breve correr dos dias
          Sob o azul do céu, — tais são
          Limites no mar da vida:
          Saudade ou aspiração;
          Ao nosso espírito ardente,
          Na avidez do bem sonhado,
          Nunca o presente é passado,
          Nunca o futuro é presente.

          Que cismas, homem? – Perdido
          No mar das recordações,
          Escuto um eco sentido
          Das passadas ilusões.
          Que buscas, homem? – Procuro,
          Através da imensidade,
          Ler a doce realidade
          Das ilusões do futuro.
         
          Dois horizontes fecham nossa vida.

Machado de Assis, in 'Crisálidas'
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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